Em seminário, sociedade e governo discutem um olhar integrado sobre a bacia do rio Ribeira

Com a participação de membros de comitês dos dois Estados, seminário foi mais um passo para a formação do comitê federal

Uma bacia hidrográfica e dois comitês, unidos por desafios e oportunidades bem semelhantes. Essa foi a realidade apresentada durante o seminário "Articulação entre os comitês de bacia do rio Ribeira - SP/PR", promovido pelo Instituto Socioambiental (ISA), Comitê da Bacia Hidrográfica Ribeira de Iguape e Litoral Sul (CBH-RB) e Comitê do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira (COALIAR) no dia 18 de março, em Registro.

Com a participação de 80 pessoas de diferentes segmentos, incluindo associações de bairro, comunidades quilombolas e indígenas, ong’s, professores e estudantes universitários, professores da rede estadual, associações de produtores de areia e de banana, técnicos da SABESP e SANEPAR, técnicos de órgãos públicos, representantes do Legislativo e Executivo, foram feitas discussões ao longo do dia com o objetivo de dar sequencia ao processo de integração entre os comitês de bacia de São Paulo e Paraná que abrangem o território do Vale, tendo em vista se tratar de um rio federal.

Oportunidades e pressões unem o Vale do Ribeira

As apresentações feitas no período da manhã mostraram a situação dos recursos hídricos na bacia e as pressões que a região sofre. O Prof. Dr. Arlei Macedo (USP/IG) destacou que o Vale do Ribeira tem crescimento demográfico bem abaixo do resto do estado de São Paulo, e uma grande população rural, formando comunidades isoladas. Nessas áreas, e, principalmente na região do Alto Ribeira, a cobertura do saneamento é baixa, segundo os dados do Relatório de Situação da Bacia, ano-base 2012.

Outro destaque é a variação das vazões do rio Ribeira, que ao longo dos anos tem atingido picos extremos, sejam eles máximos ou mínimos. A ocorrência de inundações e enchentes na região é frequente, e estudos têm sido realizados, com o apoio do CBH-RB, para a elaboração dos Planos Municipais de Defesa Civil. A porção paranaense do Vale se assemelha à paulista nos aspectos demográficos, sociais e econômicos. O Engº Enéas Machado, do Instituto das Águas do Paraná, apresentou os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável elaborados pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), onde a riqueza de recursos naturais da região, especialmente minérios e água, contrasta com a baixa escolaridade e renda. Machado apontou que a bacia tem como vocação futura o fornecimento de água para a Região Metropolitana de Curitiba e a implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH).

A pressão pelo uso dos recursos naturais do Vale do Ribeira, como água, floresta e minérios foi destacada por Nilto Tatto, coordenador do Programa Vale do Ribeira do ISA. Ele apresentou os dados do Plano Diretor de conservação e recuperação de matas ciliares do Vale do Ribeira-SP, que mostram que, apesar da região ter uma grande cobertura florestal, seus rios de maior fluxo têm suas áreas de preservação permanente mais degradadas, seja por ocupação humana, ou por campos/pastagens e bananicultura. Apresentou mapas sobre solicitações de pesquisa e extração minerária na bacia, evidenciando a riqueza de recursos naturais da região e o grande interesse pela exploração dos mesmos. Os projetos de transposição de águas para regiões metropolitanas, e de construção de barragens ao longo do rio Ribeira também apontam que o Vale é visto como grande fornecedor de recursos, o que contrasta com seu desenvolvimento social e econômico.

As discussões apontaram para a necessidade de se obter mais dados sobre a bacia, e que as informações sobre São Paulo e Paraná possam dialogar, em metodologia e formato. Estudos sobre o uso e ocupação do solo, sobre a relação entre a variação da vazão do rio e os desmatamentos e sobre os impactos do uso de agrotóxicos sobre a biodiversidade e a qualidade das águas são considerados importantes pelos participantes do seminário. A ampliação da rede de monitoramento das águas e ampliação e melhoria da rede de alerta para cheias, também foram citadas.
Brandina de Amorim, especialista em recursos hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), disse que existem programas federais que podem contribuir para essas demandas, especialmente sobre a prevenção a desastres. Sobre a articulação entre os comitês, a agência dá apoio à formação do comitê federal, desde que acionada pelas partes interessadas. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é o responsável pela aprovação de comitês federais.

Uso das águas da bacia do Ribeira é planejado pelos dois Estados

A transposição de águas foi tema de uma mesa específica durante o seminário, iniciando com a apresentação da Engenheira Juliana Pilotto, da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR). Os municípios do Vale do Ribeira, com exceção de Cerro Azul, são abastecidos por captação subterrânea. O Plano Diretor do Sistema de Abastecimento de Água Integrado de Curitiba e Região Metropolitana (SAIC) prevê os futuros usos até 2040, de acordo com a previsão do crescimento da demanda. Para o ano 2020 há previsão de que a região do Vale do Ribeira comece a ser utilizada para o fornecimento de água para a Região Metropolitana de Curitiba, nas regiões do Karst Colombo/Fervida, rio Capivari e poço Campina Grande do Sul. A demanda dos municípios do Vale também tem previsão de crescimento, especialmente Adrianópolis, onde a mineração e as indústrias vêm aumentando.

No estado de São Paulo, a exploração das águas da bacia do rio Ribeira está prevista desde a década de 90, sendo discutida com o comitê de bacia mais recentemente. O Sistema Produtor São Lourenço, como é conhecido o atual projeto, foi apresentado pelo Engenheiro Especialista José Lavrador Filho, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP). A captação se dará na represa Cachoeira do França, na bacia do rio Juquiá, operando com a média de 4,7m3/s, e irá abastecer 1,5 milhões de pessoas, em 7 municípios. As obras têm previsão de início em abril de 2014, com operação a partir de 2018.

Durante o debate, foi ressaltado que, apesar de futuro fornecedor de águas para as regiões metropolitanas, o Vale tem grandes demandas por saneamento, tendo em vista os dados apresentados na caracterização da bacia. Há que se investir em saneamento rural, para as comunidades isoladas, que existem em grande quantidade nesta bacia. No caso do CBH-RB, está em discussão um aporte de recursos FEHIDRO para o exercício 2014 possibilitando o envio de projetos com este tema, mas a demanda é muito maior. Considerando que os sistemas de distribuição de água têm grandes perdas, é necessário se pensar em alternativas que combatam esse desperdício e também o gerado pela própria população, pois cada vez mais os mananciais de regiões preservadas serão pressionados a fornecer água para as regiões mais populosas. A cobrança pelo uso da água é um instrumento que pode compensar em alguma escala essa transposição, no entanto, não supre as demandas da região por saneamento.

Patrimônio cultural faz do Vale do Ribeira um território singular

Walter Tesch, coordenador de recursos hídricos da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, estimulou uma reflexão sobre o significado do patrimônio cultural do Vale do Ribeira, pensando na pluralidade de visões proporcionadas pela diversidade de suas comunidades (caiçaras, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, imigrantes europeus e japoneses) e no uso social dessas informações. É necessário trabalhar o potencial de um projeto de desenvolvimento regional, que fortaleça a identidade da bacia, valorizando os estudos já realizados e a história da região. O comitê de bacias é um colegiado que permite essa visão mais regional, e a integração entre Paraná e São Paulo, unidos pelo rio Ribeira, é um passo importante. Como exemplo da riqueza do patrimônio histórico, apresentou pesquisa feita pelo Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira, coordenado pela equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP). O foco do grupo é compreender a arqueologia dos pescadores-coletores desde o início da ocupação na região, as áreas de sambaquis terrestres e os submersos. Tesch ressaltou que a região precisa se apropriar desse conhecimento, que está disponível a todos.

A antropóloga Anna Maria de Castro Andrade, do ISA, reforçou a riqueza do patrimônio histórico e cultural do Vale, apresentando o processo do Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira (link para publicação), construído em conjunto com dezesseis comunidades e que levantou 180 bens culturais, materiais e imateriais. Os dados levantados mostram que os quilombos, comunidades rurais formadas por descendentes de negros escravizados, têm uma relação diferenciada com os territórios que habitam e modos de vida próprios, decorrentes do contexto social e histórico em que se formaram. No Vale do Ribeira, existem 88 comunidades quilombolas, sendo 66 delas no estado de São Paulo, em diferentes níveis de situação jurídica. Sua relação com a mata atlântica e os rios faz com que sejam conhecidos como guardiões da floresta, fato que pode ser comprovado ao se observar seus territórios. O inventário identificou que 37% dos bens culturais levantados estão em ruína ou em memória, por isso, sua valorização e conhecimento público são importantes, para que não se percam.

O rio Ribeira é um grande eixo que liga essas referências culturais do Vale, e fortalece a integração do território, apesar da divisão política entre os estados. A superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Anna Beatriz Galvão, disse que o instituto realizou amplo estudo sobre o Ribeira, enquanto paisagem cultural que, por definição, é “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. A intenção é que essa paisagem receba uma “chancela” de paisagem cultural, instrumento de preservação do patrimônio, que considera o caráter dinâmico da cultura e suas transformações, levando em conta a dimensão afetiva. Trata-se de um instrumento recente, criado em 2009, e, portanto, há que se fazer uma ampla discussão acerca de sua aplicação, o que já foi iniciado em São Paulo. É necessário estender esse diálogo ao Paraná e aos diversos setores em toda a bacia.

Após as apresentações, observou-se a importância de levar em consideração o patrimônio cultural quando se trata da gestão dos recursos hídricos, por sua relevância na dinâmica social. É necessário conciliar o diálogo mais técnico com as diferentes vozes da sociedade, desafio complexo, mas que se mostra oportuno nesse momento em que se inicia a construção de um novo plano de bacias. Ao final do debate Ataíde Vilharve, coordenador do conselho de liderenças Mbya Guarani, da aldeia Takuari, apresentou a “Carta Tenonderã”, que mostra a visão do Guarani sobre a mata atlântica e as consequências de sua exploração desenfreada, que a sociedade sente nos dias atuais. Enquanto os recursos naturais forem vistos apenas como um bem capital, a ciência do não-índio não resolverá os problemas, sobretudo se não estiver atrelada à mudança da consciência sobre a natureza.

E o trabalho continua

O seminário foi mais um passo para o processo da formação de um comitê federal. A integração de informações georeferencias, visando um planejamento conjunto, a identificação de fatores de pressão e oportunidades e a preparação dos comitês para o novo comitê.

O projeto “Ribeira Integrado”, executado pelo Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica Ribeira de Iguape e Litoral Sul (CBH-RB) e Comitê do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira (COALIAR), com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), promoverá em 2014 outras ações que reunirão os dois comitês. Acompanhe as atividades pela página eletrônica www.ciliosdoribeira.org.br. Acesse AQUI todas as apresentações feitas durante o seminário.